Feira Popular
As letras que saíram e compuseram as primeiras palavras soaram tão estranhas a mim como ao mundo. Sinto que abri a porta de um castelo abandonado e que além de mim, do eco dos meus passos e da minha voz a chamar por ninguém, apenas consta mobília antiga, camadas espessas de pó e teias de aranha. Mas é bom. Cheguei com uma vassoura invisível na mão e ela agita-se ansiosa por trabalhar.
Não fazia isto há tanto tempo – sentar-me com o computador ao colo e simplesmente teclar -, que colori o texto, agora preto, com a ideia de que uma coisa diferente me pudesse incentivar a escrever. Mas, de facto, ir escrevendo em vermelho não alterou nada em mim. Pelos vistos, não perdi o bichinho. Ele continuava bem aqui, numa sesta infinita temporária, preguiçoso mas com vontade de brincar com metáforas.
Várias foram as vezes que me fui lembrando do meu canto, que pensava na miss e soltava um: “hoje vou lá, hoje vou matar saudades”, no entanto a roda gigante continuava a girar sem dar oportunidade de sair e me atirar à próxima atracção (que se pode traduzir em: pensava, queria, mas outras coisas metiam-se pelo meio e eu deixava passar).
O final do ano abriu-me o apetite de tal forma que coloquei o guardanapo ao pescoço e fiquei com os talheres em riste. Pensei em como o ano já estava quase-quase no fim e como 2018 ,sem pensar em doces amargos, tinha sido bom para mim. O meu último post na miss foi em Maio e desde então (até antes disso!) tanta coisa aconteceu: perdi peso, vi o Bem Harper ao vivo mais uma vez; perdi peso e comi sushi.
Passeei por Sesimbra, Cascais, Óbidos, Alcobaça, Tavira e Mértola; preenchi o coração com uma ida ao jardim zoológico e à tapada de Mafra e comi mais sushi; vi Lenny Kravitz ao vivo e fui ao Rock in Rio encher a barriga de Muse.
Fui ao Iberanime e à Comic Com com direito a bilhete dourado (o que me fez sentir mais vip); fui ao Porto com as minhas irmãs, de férias com a Smartie e os seus pais para a Foz do Arelho e perdi mais peso; visitei as Caldas da Rainha pela primeira vez, fui a Leiria, dei um salto até Espanha para visitar Huelva e viajei até Itália onde conheci Roma com as suas massas, pizzas e gelados espectaculares.
Juntei mais uma vela ao bolo de aniversário, perdi-me em compras online, afoguei-me em filmes e salvei-me em filmes; decidi que estava na hora de acabar com a decoração a que chamava de árvore e de ter uma árvore de Natal a sério: tenho um quebra nozes, uma bailarina e uma bolacha de gengibre, como desejava, e estar na sala a escrever para a miss com a companhia das luzes de Natal e a sentir o cheiro imaginário das bolachas de gengibre, que eu não me importava de comer, é a melhor coisa de sempre.
Hoje decidi tirar o pó à casa. Hoje tinha vontade de tirar o pó à casa. Hoje parei a roda gigante, saí e fui dar uma volta pela feira popular: relembrar os cantos da miss e das coisas boas que se vão proporcionando no parque. Hoje foi também o dia em que fui corajosa e não tive medo da tesoura: dos vinte metros de cabelo que eu tinha, passei a ter apenas dez. Hoje foi o dia em que cortei o cabelo, o meu espírito sobreviveu e (ainda) estou a adorar a diferença.