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Miss Nothing

"I am different ... Equal to the rest of the world."

15
Dez18

Feira Popular

As letras que saíram e compuseram as primeiras palavras soaram tão estranhas a mim como ao mundo. Sinto que abri a porta de um castelo abandonado e que além de mim, do eco dos meus passos e da minha voz a chamar por ninguém, apenas consta mobília antiga, camadas espessas de pó e teias de aranha. Mas é bom. Cheguei com uma vassoura invisível na mão e ela agita-se ansiosa por trabalhar.
Não fazia isto há tanto tempo – sentar-me com o computador ao colo e simplesmente teclar -, que colori o texto, agora preto, com a ideia de que uma coisa diferente me pudesse incentivar a escrever. Mas, de facto, ir escrevendo em vermelho não alterou nada em mim. Pelos vistos, não perdi o bichinho. Ele continuava bem aqui, numa sesta infinita temporária, preguiçoso mas com vontade de brincar com metáforas.
Várias foram as vezes que me fui lembrando do meu canto, que pensava na miss e soltava um: “hoje vou lá, hoje vou matar saudades”, no entanto a roda gigante continuava a girar sem dar oportunidade de sair e me atirar à próxima atracção (que se pode traduzir em: pensava, queria, mas outras coisas metiam-se pelo meio e eu deixava passar).
O final do ano abriu-me o apetite de tal forma que coloquei o guardanapo ao pescoço e fiquei com os talheres em riste. Pensei em como o ano já estava quase-quase no fim e como 2018 ,sem pensar em doces amargos, tinha sido bom para mim. O meu último post na miss foi em Maio e desde então (até antes disso!) tanta coisa aconteceu: perdi peso, vi o Bem Harper ao vivo mais uma vez; perdi peso e comi sushi.
Passeei por Sesimbra, Cascais, Óbidos, Alcobaça, Tavira e Mértola; preenchi o coração com uma ida ao jardim zoológico e à tapada de Mafra e comi mais sushi; vi Lenny Kravitz ao vivo e fui ao Rock in Rio encher a barriga de Muse.
Fui ao Iberanime e à Comic Com com direito a bilhete dourado (o que me fez sentir mais vip); fui ao Porto com as minhas irmãs, de férias com a Smartie e os seus pais para a Foz do Arelho e perdi mais peso; visitei as Caldas da Rainha pela primeira vez, fui a Leiria, dei um salto até Espanha para visitar Huelva e viajei até Itália onde conheci Roma com as suas massas, pizzas e gelados espectaculares.
Juntei mais uma vela ao bolo de aniversário, perdi-me em compras online, afoguei-me em filmes e salvei-me em filmes; decidi que estava na hora de acabar com a decoração a que chamava de árvore e de ter uma árvore de Natal a sério: tenho um quebra nozes, uma bailarina e uma bolacha de gengibre, como desejava, e estar na sala a escrever para a miss com a companhia das luzes de Natal e a sentir o cheiro imaginário das bolachas de gengibre, que eu não me importava de comer, é a melhor coisa de sempre.
Hoje decidi tirar o pó à casa. Hoje tinha vontade de tirar o pó à casa. Hoje parei a roda gigante, saí e fui dar uma volta pela feira popular: relembrar os cantos da miss e das coisas boas que se vão proporcionando no parque. Hoje foi também o dia em que fui corajosa e não tive medo da tesoura: dos vinte metros de cabelo que eu tinha, passei a ter apenas dez. Hoje foi o dia em que cortei o cabelo, o meu espírito sobreviveu e (ainda) estou a adorar a diferença.

11
Mai17

A vida amorosa da Amiga Dois.

Estava mais gente que o normal a passear pelos corredores. Muito barulho, muito fluxo de indivíduos, o cheiro a tabaco ainda mais intenso porque a zona dos fumadores era mesmo ali em frente. Em reflexo, usei o telemóvel como refúgio. Guardei o passe dos transportes na mala e enfiei a cara no meu android, saltitando entre aplicações porque isso era ter o que fazer. Quando me sentei na zona de espera fi-lo a um assento de distância do que costumo tomar porque uma rapariga estava lá sentada. Outras duas aproximaram-se pouco depois e a que estava sentada  meu lugar da praxe, a Amiga Um, guinchou.

- Amiga, nós temos mesmo de falar! - Exclamou para a Dois - O que é que foi aquilo que eu vi no facebook? Estive para comentar mas achei melhor não o fazer...aquilo significa alguma coisa?

- Ahh, sim, eu também vi! - Disse a Amiga Três ao ocupar o lugar vazio que me separava da Amiga Um - Conta-nos tudo!

- Eu nem quis acreditar quando vi a foto. - Disse a Amiga Um. Ela e a Três queriam respostas mas estas não tinham oportunidade de viver graças à euforia das raparigas que não as mantinha caladas - Onde é que tu foste? E o que é que foi aquilo? - Por fim, uma abertura para a Amiga Dois se pronunciar.

- Nós fomos sair ontem à noite... - Confessou a Dois - Ele apresentou-me aos seus amigos. - E porque a coisa lhe soava inacreditável ela acabou por se repetir com uma reformulação - Siiiimmmm: eu conheci os seus amigos. - Havia uma nota de excitação no seu tom de voz que me fez manter atenta à conversa.

- Oh meu Deus! - A Um e a Três estavam contentes e a felicidade delas fez com que a Dois se risse pateta - E como foi?

- Acho que bom. - Disse a Dois. Depois, ela soltou a bomba - Ele apresentou-me como sua namorada. - Houve guinchos e mais guinchos de euforia.

- Ahh! Finalmente! Já não era sem tempo! - A Dois só se ria aparvalhada com a situação, demasiado encantada com os desenvolvimentos da sua vida amorosa com alguém que ela, nitidamente, gostava e muito - Eu bem sabia que havia coisa para estares a colocar uma foto no facebook.

- Eu até pensei que ele havia de se importar. - Disse a Dois - Mas sabes o que é que ele me disse? Para eu tirar a foto e voltar a pôr...para ver se tinha mais gostos. - As três riram-se animadas - Eu nem acredito que ele me apresentou daquela maneira. Eu até fiz o reparo.

- E ele? - Perguntou a Amiga Um.

- Disse: "Então, é isso que tu és."

- Ohh, ele é querido. - Apontou a Amiga Três.

- Devíamos comemorar. - Disse a Amiga Um - Agora nenhuma de nós as três está encalhada! - Houve mais risos entre as três por um bocado. Estavam ali em corpo, rindo-se como jovens de secundário, mas os espíritos estavam em Bora Bora a comemorar a vida com cocktails - Então é oficial, certo? - A Amiga Um perguntou. Queria que todos os i's tivessem os seus pontos e que a vida amorosa da amiga fosse tão clara como a diferença entre o preto e o branco - São namorados?

- Não sei... - Como assim? O apaixonado apresentara-a finalmente aos amigos e fizera-o intitulando-a de namorada. O que é que suscitava dúvidas? - A mim não perguntaram nada.

Ah. O pedido. Ela precisava do pedido.

O seu homem podia levá-la a uma igreja, assim: de repente, porque sim, fervendo para dar o nó e mesmo assim a Amiga Dois não havia de se saber noiva. O rapaz apresentou-a ao mundo como namorada, mas, pelos vistos, ainda não foi explícito o suficiente.

28
Jan17

Ressaca literária.

Quando ela terminou o livro deixou que o choramingar fosse interrompido pela luz que penetrou a sua caverna. O que raio era aquilo? Abstraída, fechou o livro. Uma mão foi erguida para cobrir os olhos sensíveis à claridade. Com gestos lentos e cuidados, ergueu-se do seu recanto e, sem pensar, foi capaz de colocar um pé à frente do outro, movida pela curiosidade em relação à fonte daquela luz. De onde vinha? E para onde estava ela a ir? Avançou por um túnel comprido, receosa por aquilo que poderia encontrar, momentaneamente esquecida da confusão de sentimentos que ocupava o seu peito. O fio de luz tornou-se mais alcançável, anunciando o fim da bolha que deixava para trás. A saída anunciou o regresso para o mundo real e ela suspirou ao olhar para o livro que levara em mãos. Afinal havia mais do que aquelas páginas continham, havia outro mundo além daquele onde passara os últimos dias.

Corajosa, foi para a cozinha e arranjou um móvel onde pousar a preciosidade que acabara de ler. As mangas foram arregaçadas, luvas foram calçadas e ela pôs mãos à obra: arrumou a loiça limpa, tirou a roupa da máquina e estendeu-a para aproveitar o pouco sol de um dia nublado, abriu a torneira de onde jorrou água quente e começou a lavar pratos. Ela soprou contra um caracol que lhe caíra sobre o rosto e tirou-o do caminho, sentindo-se esquisita enquanto as mãos agiam sobre um pedaço de gordura. Ela não estava bem: havia um vazio no seu peito e as tarefas domésticas tinham um gosto agridoce. Mas ela não era cega. Trocando um prato por um copo, com as mãos cheias de espuma do detergente, ela olhou por cima do ombro e fitou o livro que descansava a um canto da cozinha: imóvel, ainda a fumegar pelo uso (que não fora suficiente). De certeza que se sentia sozinho pelo súbito abandono. Ou isso era ela? Saíra demasiado cedo da bolha. Não lambera todas as feridas nem apaziguara o espírito enternecido por ter absorvido uma história tão boa.

Pouco se importando com a espuma, ela levou as mãos à cabeça. O que raios estava a pensar ao dar-se como pronta a seguir em frente? Ainda era tão cedo. Estava tudo tão fresco na sua cabeça. Uma alma sentida era incapaz de voltar ao real com tanta rapidez sem sequer a aplicação de um bálsamo. As luvas foram arrancadas para marcarem uma posição e, como se a vida dela dependesse disso, correu para alcançar o livro, abraçando-o contra o seu peito como se comprimi-lo contra o coração fosse a poção precisa para diluir a dor, naquele mesmo sítio, provocada pela perda. Sem ter noção do que fazia, encolheu-se sobre si própria enquanto os pés a reconduziam de volta à caverna, de volta ao porto seguro, de volta ao lugar onde as emoções ainda dançavam ao rubro, sensível à invocação de lembranças sobre situações e até pedaços de narração.

Pelo caminho, foi saudada por um bicho. O pobre, bem-disposto, disse-lhe olá e aguentou o próprio sorriso quando percebeu que ela não estava bem, como se ter os cantos da boca repuxados fosse o suficiente para transmitir boas energias. Perguntou o que é que se passava e ela, possessiva, apertou ainda mais o livro contra si, necessitada de tempo para assimilar que o mesmo tinha terminado. E sem parar de andar, pronta a rastejar para o seu canto naquela caverna - se fosse preciso -, respondeu: ressaca literária.

20
Jan17

Bolhas de sabão.

Perto de umas escadas rolantes, mesmo ao pé de uma esquina para um corredor, vi duas crianças e uma adolescente sentados no chão, rodeados por sacos, à espera de um adulto. Eram três jovens e dois estavam a morrer de tédio. O primeiro da fila já marcava uma posição: a cabeça tombada para trás e os olhos fechados eram indício suficiente de que se ninguém o tirasse dali ele iria adormecer; depois, a rapariga: o cabelo loiro preso num rabo de cavalo, de olhos escuros protegidos por óculos de leitura, a tagarelar ao telemóvel para passar o tempo, gargalhando enquanto agitava os pés e exibia os ténis Adidas; por fim, mais um rapaz: de pernas cruzadas à chinês, com o cotovelo apoiado num joelho enquanto uma mão oferecia apoio à cabeça e os dedos da outra desenhavam círculos no chão do centro comercial. A magia veio no momento em que esse mesmo rapaz foi chicoteado por uma ideia e endireitou ligeiramente as costas com ar de quem vai fazer travessuras. Vi-o a olhar para a rapariga e para o rapaz que o acompanhavam para garantir que estavam suficientemente distraídos, vi-o a olhar à sua volta para ter a certeza de que não era alvo da atenção de ninguém. Ele, claramente não me viu a olhar para si quando fez a mão entrar sorrateiramente dentro de um saco e retirou uma embalagem. Ele esboçou um pequeno sorriso ao desatarraxar a tampa e eu ao ver do que se tratava parei. Ele não iria fazê-lo. Iria? Fê-lo. Encheu os pulmões de ar e soprou para a varinha com arcos. Pequenas bolhas de sabão começaram a flutuar, descontroladas por existirem, umas subindo e outras colidindo com quem caminhava de mente tão confinada nos próprios assuntos para reparar nas bolhas loucas que festejavam a vida e a liberdade. Havia bolhas por todo o lado e nem mesmo a abundância levou o miúdo a querer parar. Estava claramente abstraído do que estava à sua volta e fechado na sua própria esfera, satisfeito e divertido, pouco se importando com o que se podia pensar da festa de sabão num sítio fechado. Eu em pensamentos agradeci-lhe por me plantar um sorriso no rosto, deliciada pela simplicidade das ideias de um petiz para ultrapassar o aborrecimento, sem ter mão na minha criança interior que me fez pensar em baloiços e se quis juntar a ele. 

17
Jan17

Datas que não se esquecem.

Hoje toda a gente sabe que ele faz anos: os avós, as tias, a mãe, o pai, os sobrinhos. Hoje as minhas primas manifestaram-se em relação ao seu aniversário: uma, partilhou uma foto de si em pequena com ele e em descrição estavam emojis: dois corações e uma carinha triste; outra, manifestou-se em comentário: corações, a idade dele e carinhas a chorar. Eu revirei os olhos pela abordagem errada ao seu dia de anos. Ele não é sinónimo de risonhos tristes, ele, para mim, sempre foi sinónimo de momentos felizes. É uma pessoa em que penso constantemente porque todos os dias me olho ao espelho, todos os dias ajeito o cabelo e vejo-o atrás da orelha, marcado na minha pele, a preto, em forma de cavalo marinho - um hippocampus guttulatus -. Hoje, inspirada pelo positivismo que assola a minha alma todos os dias, inspirada pela memória que a minha prima tinha partilhado, também eu fui mais fundo e remexi nas minhas, rindo-me porque pensar nele dá nisso. Hoje recordei-me pequena no carro com ele e a namorada. O facto de eu estar no carro não o impedia de ser ele próprio e de agir consoante o que queria. Colocou um CD no leitor do carro e no seu lugar de pendura começou a viver a música, a tocar numa guitarra fantasma, sentindo o rock a penetrar e a borbulhar nas suas veias - eu tenho mesmo a certeza de que era Red Hot (Chili Peppers) -. Eu, no banco de trás, ria-me porque ele estava completamente doido. No refrão pediu para se parar o carro e sem dizer nada aumentou o volume, saiu do carro e colocou-se à frente do mesmo, gritando e pulando de braços no ar, fazendo-me rir até mais não porque a sua maluquice só reforçava na minha mente o porquê de eu gostar tanto de estar com ele. Estava comigo como mais ninguém estava, brincava e dizia-me coisas sobre temas que os outros tios não abordavam. Se alguém falar sobre ele a resposta, acredito, vai ter sempre algo de igual: a afirmação de que era louco. E eu confirmo-o: até tinha um livro da Alice no País das Maravilhas e por este é sabido que as melhores pessoas o são. Ele era completamente louco, de verdade, e isso era a coisa mais fixe de sempre.

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